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Ações na Justiça usam lei de calamidade pública para pedir saques do FGTS

BRASÍLIA - O número crescente de trabalhadores que acionam a Justiça para tentar sacar um valor maior de suas contas do FGTS em meio à crise do novo coronavírus acendeu o alerta na área econômica para o risco à sustentabilidade do fundo e para uma eventual necessidade de aporte de recursos pelo Tesouro Nacional, caso haja multiplicação de decisões favoráveis às liberações de um valor maior.

Os pedidos são justificados com um decreto de 2004, que prevê a possibilidade de resgatar até R$ 6.220 da conta vinculada do fundo em situação de calamidade pública provocada por desastre natural. Com o País em calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, alguns juízes estão concedendo autorização imediata do saque alegando a necessidade de se fazer “interpretação extensiva” do decreto, “com base no princípio da razoabilidade”.

Se todos os trabalhadores puderem sacar até esse limite, as retiradas do FGTS poderiam chegar a R$ 142,9 bilhões, valor que supera a disponibilidade imediata de recursos do fundo (cerca de R$ 18 bilhões) e também a sua carteira de títulos públicos (cerca de R$ 80 bilhões), que precisariam ser vendidos, possivelmente com prejuízo aos trabalhadores.

União seria então obrigada a aportar mais de R$ 30 bilhões no FGTS para garantir todos os compromissos, num momento em que o Tesouro já tem outras ações de socorro para honrar e encontra dificuldades para se financiar no mercado. Isso acontece porque os recursos dos trabalhadores depositados no fundo são fonte de financiamento para obras de infraestrutura ou até para a compra da casa própria, em operações que dão rentabilidade ao fundo. O dinheiro não fica lá parado – mas, se precisar ser sacado, o Tesouro é o “fiador” que garantirá o seu pagamento.

O valor de aporte seria menor, de R$ 10 bilhões, caso sejam considerados R$ 20 bilhões do Fundo PIS/Pasep transferidos ao FGTS, mas que podem ser resgatados a qualquer momento se houver quem os reclame.

Mérito

O diretor do Departamento de Gestão de Fundos do Ministério da Economia, Gustavo Tillmann, diz ao Estadão/Broadcast que o decreto de 2004 foi feito para situações específicas e locais, não para uma pandemia que é mundial. Além disso, ele ressalta que o valor do saque de até R$ 1.045 autorizado pelo governo na Medida Provisória 946 garante resgate integral para 70% dos trabalhadores e já foi calculado no limite do esforço possível do fundo para liberar recursos na crise. Serão aproximadamente R$ 34 bilhões. “Eu entendo o mérito de quem pede, mas não é compatível”, afirma.

“O dinheiro não está lá. O dinheiro muitas vezes está emprestado para um trabalhador que tem conta no FGTS. Na carteira de habitação, 80% das pessoas que pegam crédito com o FGTS são trabalhadores que têm conta no fundo. Isso exigiria eu cobrar esse pessoal, dizer ‘me devolvam o dinheiro que eu emprestei para vocês’. É um dilema, é uma situação difícil”, explica o diretor.

A luz amarela acendeu também porque há iniciativas semelhantes no Congresso Nacional. Um projeto de lei do senador Confúcio Moura (MDB-RO) quer criar o “saque calamidade pública” para ser acessado por desempregados que ainda tenham recursos não sacados no fundo de garantia. Os parlamentares também podem usar a própria MP encaminhada pelo governo federal para elevar o valor do saque permitido aos trabalhadores.

“O limite do saque estava em torno de R$ 1 mil. Mais próximo da edição da MP, esticou-se mais um pouquinho para chegar aos R$ 1.045, que é o salário mínimo. Mas nossa conta já está muito apertada. E ela está apertando a cada dia, porque a cada dia vêm novas medidas que contam com o FGTS”, alerta Tillmann.

Situação limite

Antes de liberar o saque, o governo já havia permitido às empresas suspender por 90 dias os recolhimentos ao fundo. Mas a conta da liberação foi feita antes da Medida Provisória 936, que permitiu redução de jornada e salário ou suspensão de contratos e que tem como uma das consequências a redução da arrecadação do FGTS. Haverá ainda aumento dos saques em caso de maior número de demissões sem justa causa. Segundo o diretor, não há “gordura” para elevar o valor do saque imediato do fundo na pandemia, nem por decisão da Justiça, nem por ação do Congresso.

“Estamos cada vez mais no fio da navalha”, diz. “Os R$ 1.045 foram bem justos. Qualquer coisa acima disso vai implicar venda de títulos públicos. Essa carteira geralmente não é vendida. E a venda pode implicar alguma perda, porque vai ter que vender rápido”, afirma.

Em uma situação ainda mais limite, caso houvesse liberação integral dos R$ 418 bilhões depositados em contas vinculadas, a necessidade de aporte de recursos pelo Tesouro seria superior a R$ 300 bilhões, o que não é factível, segundo Tillmann. Para ele, o saque integral determinaria o fim do modelo de política pública de amparo e fomento baseada no fundo de garantia. O dinheiro do FGTS é usado para fomentar investimentos em habitação, saneamento e infraestrutura urbana.

O economista Pedro Nery avalia que hoje quem tem mais dinheiro na conta do FGTS é “quem tem um emprego que paga mais e alguma estabilidade”. Para ele, elevar o valor do saque não é uma política bem focalizada. “Mais interessante são os projetos que destinam o patrimônio líquido, que não pertence a ninguém, para garantir o pagamento de quem ganha menos”, afirma. O patrimônio líquido do FGTS é formado basicamente por lucros de anos anteriores não distribuídos aos trabalhadores.

FONTE: O ESTADO DE SÃO PAULO por Idiana Tomazelli

 

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