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Decisão do TST sobre dano moral coletivo em caso de terceirização pode gerar onda de ações
Uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que condenou a construtora MRV a pagar R$ 200 mil por contratar fornecedor de mão de obra sem o capital social mínimo acendeu um sinal de alerta entre empresas que dependem de serviços terceirizados.Advogados trabalhistas avaliam que o inédito entendimento da Corte - de penalizar a tomadora por danos morais coletivos - pode provocar uma onda de pedidos de indenização por terceirização ilícita.
O acórdão só tem validade para a MRV. Mas por ter sido proferido por unanimidade pode servir de precedente: tanto para outros juízes trabalhistas como para a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT).
“Nesse segundo semestre, devemos ter a verificação do cumprimento dessa legislação”, diz o procurador Tadeu Henrique Lopes da Cunha, titular da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret) do MPT, sobre a Lei n° 13.429, de 2017, que regulamentou a terceirização. “Este ano, já retomamos as inspeções de forma incisica,após a pandenia",acrescenta.
Da decisão do TST, o procurador destaca a indenização por dano moral coletivo. “É um meio de compensar a sociedade porque a indenização vai para um fundo ou instituições sociais, com o devido controle sobre a sua efetiva destinação”, afirma.
No caso, a MRV foi condenada por ter contratado empresa que não teria o capital social mínimo para arcar com eventuais verbas trabalhistas, além de garantir a segurança dos funcionários no ambiente de trabalho. A decisão foi proferida pela 6ª Turma (RR-10709-83.2018.5.03.0025).
“Ao praticar atos ilícitos afrontosos à ordem jurídica trabalhista, a sociedade empresária cria ofensa de ordem moral à coletividade de trabalhadores, de modo que se torna responsável civilmente pela reparação dessa ofensa”, diz o relator, ministro Augusto César Leite de Carvalho, em seu voto A indenização por dano moral coletivo está prevista na Lei nº7347, de 1985.
O ministro também apontou a prática de dumping social. Disse que as empresas que violam a legislação trabalhista e não são penalizadas obtêm vantagem injusta sobre as concorrentes.
“Essa decisão do TST me deixou de cabelo em pé”, afirma Rafael de Filippis, sócio da área trabalhista e sindical do escritório Mattos Filho Advogados. “E ela dá um norte para toda a Justiça do Trabalho, além de encorajar auditores a fiscalizarem mais esse tema.”
De acordo com a Lei nº 13.429, são requisitos para o funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros: ter CNPJ, registro na Junta Comercial e capital social compatível com o número de empregados. Quanto maior o número de funcionários, maior o valor de capital mínimo exigido. Esse montante chega a R$ 250 mil para empresas com mais de cem empregados.
O Pleno do TST já firmou tese no sentido de que prestador e tomador de serviço devem ser réus juntos em ações por terceirização ilícita da atividade-fim (RR-1000-71.2012.5.06.0018). Mas Filippis aponta que a legislação da terceirização não fala em responsabilidade solidária do contratante.
“Como a empresa que contratou outra foi condenada pelo TST porque não checou a estrutura social da prestadora de serviços, estamos alertando clientes para que fiquem atentos a isso”, afirma o advogado.
Rodrigo Takano, sócio do Machado Meyer, essa decisão merecia ser reformada por atribuir dano moral coletivo sem identificar prejuízo aos trabalhadores, ou irregularidade em relação aos empregados. “Parece-me um exagero”, diz.O advogado também lembra que o valor da multa aplicável por auditor fiscal pela violação dos requisitos para a terceirização é bem menor do que R$ 200 mil. Costuma variar entre R$ 201,27 e R$ 2.012,66.
Procurada pelo Valor, a MRV afirma, por meio de nota, que “não haverá impacto [a decisão do TST], uma vez que já vem cumprindo a determinação e que atua sempre pautada pela ética, transparência e em conformidade com o ordenamento jurídico e com a legislação em vigor”.
A condenação da MRV nasceu de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho. “Quando verificamos se uma terceirização é lícita ou não, o capital social é um dos elementos para essa checagem”, diz o procurador Tadeu Henrique Lopes da Cunha. “Mas se ela cumprir todos os requisitos e não provar a capacidade econômica, há ilicitude".
Segundo o procurador, a terceirizada tem que ter autonomia, know how e meios de produção para realizar a atividade. Além disso, acrescenta, os trabalhadores devem ser gerenciados por ela para cumprir o contrato com a tomadora de serviços e a terceirizada tem que ter capacidade econômica compatível com a execução do contrato.
Na maioria dos casos, afirma Cunha, se a investigação aponta ilicitude, é marcada uma audiência com a tomadora de serviços. “Ela pode ajustar sua conduta e se comprometer a se adequar, contratando quem atende os critérios em lei”, diz. Se o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) não é cumprido no prazo estipulado, propõe-se a ação civil pública.
Até agora, segundo dados do MPT, a entrada em vigor da legislação da terceirização (Lei nº 13.429), em 2017, fez reduzir o volume de ações civis públicas relacionadas à prática. De 2017 para 2018, foram propostas 162 ações por terceirização ilícita; de 2018 para 2019, 151 ações; de 2019 para 2020, 72 ações; de 2020 para 2021, 84 ações; e de 2021 para este ano,28 ações.
FONTE: VALOR ECONÔMICO por Laura Ignacio