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Judiciário valida contratação de trabalhador como pessoa jurídica

Trabalhadores com curso superior e salário alto contratados como pessoa jurídica (empresa) nem sempre têm conseguido vínculo de emprego na Justiça do Trabalho.As decisões levam em consideração previsão da reforma trabalhista que trata dos chamados “hipersuficientes”, pessoas que teriam melhores condições para entender e negociar o contrato de trabalho.

A previsão está no parágrafo único do artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), incluído pela Lei nº 13.467/2017. Pelo dispositivo, as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas, nos casos em que envolver trabalhador portador de diploma de nível superior e com salário igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (R$ 14.174,44).

No Judiciário, esses profissionais têm alegado, porém, que teriam sido forçados a aceitar a contratação como pessoa jurídica e pedem as verbas relativas a empregados com carteira assinada - 13º salário, férias, aviso-prévio indenizado, depósitos e multa de 40% do FGTS, além dos pagamentos das contribuições previdenciárias.

O número crescente de micro e pequenas empresas pode indicar um maior volume de contratações de trabalhadores como pessoa jurídica. Em 2017, eram 7,1 milhões de empresas em funcionamento. Em 2022, 16,2 milhões, até outubro, segundo dados do “Painel Mapa de Empresas” do Governo Federal.

O reconhecimento de vínculo também tem ganhado relevância. No ranking dos assuntos mais recorrentes da Justiça do Trabalho, passou da 25ª colocação, em 2018 (com 150,5 mil processos), para 16º em 2022 (com 158,8 mil processos), segundo as estatísticas do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Em um dos casos analisados, a Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro negou, em primeira e segunda instâncias, o vínculo de emprego a uma prestadora de serviços para um cartório. Na sentença, a juíza Natalia dos Santos Medeiros, da 81ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, destaca que os empregados com maior grau de instrução e maior remuneração possuem, em sua contratação, maior poder de negociação, seja de salário, seja de condições de trabalho.

“E sua manifestação de vontade deve ser respeitada e apenas se houver vício de vontade, previstos na legislação civil, é que haverá anulação do negócio jurídico”, diz a juíza, acrescentando que é cada vez mais comum empregados autossuficientes optarem por esse tipo de contratação para ficarem isentos do Imposto de Renda, aumentando, assim, seus ganhos mensais - a distribuição de lucros é isenta do tributo. “No final das contas, quem mais perde nesta relação é o Fisco.”

A trabalhadora recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT-RJ). O caso foi analisado pela 10ª Turma, que manteve a sentença. Para a relatora, desembargadora Alba Valéria Guedes Fernandes da Silva, não há comprovação de qualquer fraude (processo nº 0100031-92.2021.5.01.0081).

“Ressalto que a empresa foi constituída livremente pela própria trabalhadora e seu contador contratado, sem nenhuma prova de participação de qualquer integrante do cartório em tela”, afirma. Ela lembra que, para que se configure a relação de emprego, é necessário o preenchimento de todos requisitos estabelecidos no artigo 3º da CLT - pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica.

Em outro caso analisado, o TRT-MG negou vínculo empregatício a uma arquiteta, que era sócia em uma empresa terceirizada de arquitetura contratada para a reconstrução de residências afetadas pelo rompimento de uma barragem. Em primeira instância, ela obteve o reconhecimento do vínculo, mas após recurso a sentença foi reformada (processo nº 0011073-15.2021.5.03.0069).

Em seu voto, o relator do caso na 10ª Turma, juiz convocado Flávio Vilson da Silva Barbosa, considerou não estarem previstos os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT que comprovariam o vínculo. Ainda destaca que a 9ª Turma julgou caso análogo recentemente, envolvendo as mesmas empresas (tomadora e prestadora), e também decidiu no mesmo sentido.

Na decisão da 9ª Turma do TRT-MG, os desembargadores afirmam que “não se pode desconsiderar que trabalhadores altamente qualificados têm plenas condições de avaliar a conveniência de prestar serviços a outrem fora dos moldes da típica relação de emprego, e como se infere do exame conjunto da prova, a autora possui nível superior. Nestes casos, não se pode presumir vício de vontade".

Segundo o advogado Fabio Medeiros, do Lobo De Rizzo, apesar de ainda serem poucas decisões nesse sentido, já demonstram que, após a Lei da Terceirização (nº 13429, de 2017), que permitiu terceirização ampla, e da reforma trabalhista, que confirmou essa previsão e tratou da livre negociação com hipersuficientes, o risco para as empresas diminuiu. “Antes a tendência era de aceitar o vínculo."

As advogadas Mayra Palópoli e Ester Lemes, do Palópoli & Albrecht Advogados, afirmam enxergar essas decisões de forma positiva, refletindo com maior senso de justiça a realidade brasileira. Muitas vezes, acrescentam, o prestador de serviço negocia, aceita e prefere esse modelo de contratação, em razão dos benefícios tributários que oferece.

O tema, ainda que em outro viés, já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). A advogada Juliana Bracks, do Bracks Advogados, relembra que já existem três decisões, na área previdenciária e fiscal, que dizem que o hipersuficiente intelectual e científico tem o direito de escolher o melhor tratamento contratual fiscal.

Os casos envolvem advogados, médicos e profissionais de informática (Rcl 53.899, RCL 39.351 e RCL 47.843). “A partir do momento que se escolhe um tratamento fiscal, já que a pessoa jurídica não tem 27,5% de IR na fonte, isso impacta os direitos trabalhistas”, diz a advogada.

De acordo com Juliana, o STF não disse expressamente que quem é hipersuficiente pode escolher a modalidade de contratação. “Mas claro que essas decisões já são um sinalizador para não se desrespeitar negociações que envolvem altos profissionais que não foram coagidos. Seria um prestígio à vontade. Não houve vício de consentimento naquela contratação. E isso é bem interessante para as empresas."

FONTE: VALOR ECONÔMICO por Adriana Aguiar

 

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