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Jurisdição voluntária trabalhista
Tem-se observado casos em que o juízo trabalhista de primeiro grau homologa o acordo extrajudicial levado em sede de jurisdição voluntária na forma da lei 13.467/2017, mas ressalva na homologação a cláusula de quitação geral do contrato de emprego mantido. Essa ressalva encontra amparo legal?
Numa exegese teleológica, a jurisdição voluntária foi “importada” do processo civil para o processo do trabalho com algumas exigências, como por exemplo a obrigatoriedade de advogados distintos representando cada uma das partes, no afã de proteger e dar respaldo técnico ao trabalhador.
A demanda por “segurança jurídica” é tão superlativa no Brasil, que a ferramenta da jurisdição voluntária cresceu mais de 2.000% entre 2017 e 2018 por dados oficiais do próprio Tribunal Superior do Trabalho, saltando da casa de 2.000 para quase 50.000.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, chegou a editar orientação no sentido de proibir a homologação com cláusula de quitação geral, notadamente para permitir o acesso ao Poder Judiciário de lesão ou eventual lesão a direito.
Entretanto, há que se lembrar que na Jurisdição Voluntária, inexiste o desiquilíbrio jurídico derivado da subordinação própria do contrato de emprego (em que emerge o princípio da irrenunciabilidade de direitos), que faz desaparecer a hipossuficiência jurídica do trabalhador e não é só: está representado por advogado de sua livre escolha, e perante o próprio Judiciário.
Dessa forma, há de presumir-se que qualquer lesão ou eventual lesão foi tratada, inclusive racional e tecnicamente pelo advogado que representa os interesses do trabalhador, e buscar a consistência da segurança jurídica que traga estabilidade para as relações entre capital e trabalho é algo premente.
Tenho fé que nenhum advogado em sã consciência vai colocar sua OAB em risco por causa de uma ou algumas jurisdições voluntárias duvidosas. E se forem identificadas, deve haver punição pontual e exemplar, ao invés de buscar-se a desconstrução do instituto.
Preconiza o brocardo jurídico de que “onde o legislador não fez restrições não cabe ao intérprete fazê-lo”.
A 4ª Turma do TST julgou causas que vieram do Estado de São Paulo com homologações parciais e reviu todas as decisões, homologando integralmente os acordos, pois a lei 13.467/2017 substancialmente põe fim às discussões derivadas da Súmula 330 da Corte Superior Trabalhista.
Foi mais além: a decisão de homologação ou não é binária, devendo de maneira fundamentada o magistrado homologar ou não, mas não o fazer de modo parcial.
Os Regionais, por pesquisa recente, também homologam mais de 80% de acordos extrajudiciais que os juízos de primeiro grau se negaram a homologar.
Quem perde, em última análise com essa demora, é o próprio trabalhador, que tem a expectativa já firmada em receber determinado valor, e a postergação por audiência marcada para meses depois ou mesmo não homologação ou parcial, só prorroga os efeitos deletérios da demora.
Com efeito, realizar uma homologação parcial, ontologicamente não faz sentido e tampouco possui amparo legal, salvo em situações excepcionais.
A Reforma Trabalhista pretendeu em seu texto justamente conceder mais liberdade às partes, o que somente é possível com a redução da interferência do Estado. Não é de hoje que sabemos: não é o Estado sabedor do que é melhor para as pessoas tampouco pode se substituir a elas. Notadamente quando há assistência de cunho técnico, não pode o juiz menosprezar a presença e a atuação do advogado que representa a parte.
O leitor: prefere intervenção estatal em sua vida e suas relações ou prefere mais liberdade? O que serve para você serve para os outros?
Há de se convir: muitas vezes alguém pode pretender até receber um valor menor imediatamente do que postular em juízo e aguardar alguns anos em res dubia para talvez receber algum valor daqui a alguns anos. E o Estado não tem o direito de interferir nesse grau de subjetividade das pessoas, sob pena de desrespeitarmos a vontade das pessoas, a liberdade delas, impondo a vontade do Estado.
Outro argumento tão empírico quanto real é que não pode o Estado estimular o conflito, intercedendo sob qualquer prisma pelo contencioso, pela lide. Particularmente, em 14 anos de Magistratura, jamais vi um juiz deixar de homologar um acordo (salvo por razões específicas e de fraude comprovada), dando geral plena e rasa quitação num processo tradicional.
Então ao iniciar a audiência, sob o manto imperativo legal de perguntar às partes sobre a possibilidade de conciliação, essas informam que chegaram a um acordo e o juiz…o homologa. Afinal qual a diferença de se homologar um acordo numa lide tradicional ou numa ação de natureza especial, a jurisdição voluntária? Como pode o Estado-juiz ir contra ao que pretendem legitimamente ambas as partes e seus procuradores numa transação, de forma clara e expressamente declarada?
Salvo melhor juízo, cabe ao Magistrado investigar os elementos que compõem o negócio jurídico realizado, a saber: agentes capazes, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Não me parece tangenciar ao Magistrado realizar juízo de valor sobre o acordado, salvo se ocorrer situação exceptiva, algo destoante, não razoável ou ainda tecnicamente um defeito observado no negócio jurídico.
Ao buscar o Judiciário com Acordo lavrado em sede de jurisdição voluntária, as partes pretendem a segurança jurídica, e não a opinião do Magistrado, que deve atuar exclusivamente nos termos da lei.
Também há que se cuidar do que denomino, doutrinariamente, “Acordo por Jurisdição Voluntária Negativa”, na qual episodicamente o trabalhador tão somente abre mão de direitos, sem qualquer vantagem absolutamente em troca. Não se trata de realizar um juízo de valor sobre o acordo, mas sim em identificar uma situação exceptiva.
O Acordo por Jurisdição Voluntária Negativa é observado à medida que um trabalhador não recebe nenhum benefício imediato ou mediato, abre mão de direitos sem qualquer correspondência compensatória (nem mesmo legal) e ainda confere quitação geral.
Exemplo prático é do moto entregador de alimentos, que mesmo mantendo vínculo empregatício não tinha CTPS registrada, e ao sofrer acidente de trânsito em jornada, ingressam (patrão e empregado) com acordo de reconhecimento de vínculo anterior, abrindo mão o trabalhador de qualquer outro direito, e ainda dando por quitado qualquer possível pedido de indenização material ou reparação moral acerca do fato, mesmo nutrindo sequelas.
No exemplo mencionado as partes ainda criaram obrigação para terceiro estranho ao processo, no caso, o INSS.
A presunção de que os negócios jurídicos tangenciam fraudes não possui carga de direito mas sim de raciocínio ideológico. As partes merecem menor interferência do Estado com maior liberdade nas relações.
Por fim, há que se compreender: não há absolutamente nada de errado em pretender-se uma solução jurídica através de um meio alternativo de solução de conflitos previsto em lei, como é o caso do acordo extrajudicial em Jurisdição Voluntária. Não há nada de errado em pretender-se segurança jurídica, estabilidade nas relações, pois nem sempre o fim de um contrato de emprego deve ser o início de uma judicialização contenciosa.
FONTE: JOTA por Marcos Augusto Melek