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Justiça determina penhora de milhas aéreas para pagar dívida

Decisões recentes da Justiça do Trabalho e da Justiça comum têm determinado a penhora de milhas aéreas de devedores, na ausência de dinheiro ou bens para quitar condenações judiciais.Juízes vêm aceitando os pedidos dos credores, que alegam que esses pontos têm expressão econômica e são comercializados em troca de dinheiro ou produtos.

As milhas podem acelerar a tramitação de processos judiciais. Muitos deles não conseguem ser encerrados porque não é localizado patrimônio para quitar a dívida. Na Justiça estadual comum, por exemplo, a taxa de congestionamento estimada da em 2021 é de 70%.Já na Justiça do Trabalho, 44%, segundo dados do último Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Essa taxa mede quantos por cento dos processos ficaram parados sem solução, em relação ao total tramitado em um ano.

Os juízes têm fundamentado as decisões no artigo 789 do Código de Processo Civil (CPC). O dispositivo prevê que o devedor responde com todos os bens presentes e futuros para cumprir as obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.

A penhora de pontos de milhagem está sendo cada vez mais aceita pelo Judiciário, segundo a advogada trabalhista Mayra Palópoli, do Palópoli & Albrecht Advogados. Ela afirma haver casos de as milhas entrarem, inclusive, na partilha de processo de divórcio.“Eles integram os patrimônios pessoais, sendo indiscutível o seu valor econômico, uma vez que podem ser trocados por produtos e serviços ou ainda ser vendidos a terceiros, por meio de agências especializadas”, diz.

Em decisão liminar, o desembargador Mário-Zam Belmiro Rosa, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), determinou a penhora de 62.929 pontos do programa TAM Fidelidade, do sócio de uma empresa de criptomoedas, acusado de pirâmide financeira. A medida foi tomada após buscas nos sistemas do Judiciário não encontrarem patrimônio para satisfação da dívida.

A solicitação tinha sido negada em primeira instância porque prevaleceria na Corte o entendimento de que milhas aéreas são impenhoráveis, por não existir mecanismo seguro e idôneo para sua conversão em dinheiro. Contudo, o credor recorreu. O desembargador apontou que tais pontuações são hoje comercializadas em vários sites (processo nº  0712398-97.2022.8.07.0000).

 

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) também admitiu a penhora de milhas aéreas para quitar parte de uma dívida de mais de R$ 300 mil de um sócio de uma empresa ambiental com um banco. No caso, houve diversas tentativas infrutíferas de localização de outros bens. A decisão da 13ª Câmara Cível foi unânime.

O relator, desembargador Luiz Carlos Gomes da Mata, afirma, no voto, que “pontos e milhagens de programas de fidelidade possuem, sim, valor monetário, e não há impedimento à conversão em valores, já que, existem várias empresas especializadas que comercializam milhas aéreas” (AI nº 100241311678112001).

Tudo que tem valor pode ser monetizado e virar dinheiro, pode ser transferido ou penhorado para quitar dívidas, com exceção das vedações legais como bem de família ou salário, segundo a advogada Maria Tereza Tedde, do Tedde Advogados.“Considerando que as milhas têm um valor em dinheiro, conseguimos negociar e são passíveis de avaliação e transferência, qualquer tipo de decisão que defira a penhora desse tipo de ativo é uma decisão legal, com fundamento no Código de Processo Civil”, diz.

 

Contudo, Maria Tereza lembra que não há uma definição legal sobre como operacionalizar a penhora desses bens. “Quem se notifica, quem teria esse direito, para fazer a penhora, mas entendo ser possível”, diz.

Tecnicamente, segundo Maria Tereza, vedar a transferência de um bem significa gravá-lo com cláusula de inalienabilidade. É o que a lei prevê, em contratos de doação e em testamentos, no caso cessão de bem a terceiro de forma gratuita - e o bem fica impenhorável. Ela ressalta, porém, que a aquisição de milhas não é gratuita.

Na área trabalhista também existem decisões favoráveis à penhora de milhagem. Recentemente, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Distrito Federal analisou o caso de um trabalhador que está, desde 2014, tentando localizar bens para receber verbas trabalhistas. Foram realizadas diligências nos sistemas Bacenjud, Infojud, Renajud, todas sem sucesso.

Em primeira instância, o juiz negou o pedido da penhora de milhas por entender que não existem mecanismos seguros e idôneos que permitam sua conversão em dinheiro. O funcionário então recorreu ao TRT.

 

O relator do caso, desembargador Mário Macedo Fernandes Caron, destacou que, embora ainda não haja legislação específica relativa à venda de milhas, a emissão de passagens aéreas com milhas pertencentes a cliente fidelizado em favor de terceiros é possível e encontra previsão nos programas de fidelização, que admitem a troca milhagens ou pontos por produtos e serviços.

Ainda ressaltou a existência de agências especializadas em intermediar a compra de milhas. Disse que tem sido cada vez mais comum que casais em processo de divórcio passem a ter o direito de dividir outros tipos de bens acumulados na vida em comum, como é o caso de milhas aéreas, “circunstâncias que evidenciam o valor econômico de tal produto”, lembrou o desembargador.

Ele determinou a expedição de ofício aos programas de fidelização indicados no processo para que, em até 10 dias úteis, sob pena de multa diária, informem sobre a participação dos sócios e, em caso positivo, que seja feita a respectiva penhora (processo nº 0000025-43.2014.5.10.0802).

Esse posicionamento, contudo, ainda não é dominante no Judiciário. O tema é polêmico até mesmo nas empresas aéreas, que divergem sobre a possibilidade prática do cumprimento das decisões judiciais.

 

A assessoria de imprensa da Latam informou, por nota ao Valor, que “‘está atenta aos movimentos e tendências envolvendo essa prática nas esferas jurídicas”. E que a companhia, “quando, eventualmente, for obrigada a cumprir uma determinação de penhora, assim o fará”.

A MaxMilhas, plataforma de intermediação de venda de milhas, esclarece, por nota, que no caso de ações judiciais, “só consegue depositar o valor referente à venda das milhas para outra pessoa se o próprio programa de fidelidade, que detém as milhas do cliente, realizar a troca de titularidade”. Ainda informa que “quando o consumidor solicita a transferência de pontos do cartão de crédito para milhas aéreas, os bancos ou emissores dos cartões devem comprar as milhas que seriam convertidas para o cliente, gerando receita, além de passar o controle (inclusive sobre a validade das milhas) para o programa”.

Já a companhia aérea Gol aponta, em nota, que esse tipo de bonificação “não caracteriza um direito patrimonial material que possa ser alienado ou penhorado como outros bens”. Além disso, diz a Gol, “a natureza da relação estabelecida entre participantes e empresas que administram os programas de fidelidade, as características das milhas,as restrições que possuem o regulamento dos Programas de Fidelidade e a inviabilidade de se atingir o objetivo jurídico desejado impossibilitam a penhorabilidade ou alienabilidade das milhas.”

Por meio de nota, a Azul informa que os pontos identificados na conta TudoAzul "não são penhoráveis, inviabilizando a sua conversão em dinheiro. A empresa ressalta, ainda, que segue todos os termos da legislação aplicável e do regulamento do programa TudoAzul".

FONTE: VALOR ECONÔMICO por Adriana Aguiar

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