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Justiça do Trabalho concede habeas corpus e libera passaportes de sócios

Sócios de empresas com dívidas trabalhistas pendentes têm conseguido liberar passaportes com um recurso ainda muito pouco utilizado na Justiça do Trabalho, o habeas corpus (HC).Há decisões no Tribunal Superior do Trabalho (TST) e em Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), como os de São Paulo, Pernambuco e do Rio Grande do Sul. Em todas, os magistrados entenderam que a retenção do documento restringe o direito de ir e vir, assegurado pela Constituição.

Há alguns anos, o habeas corpus era usado para liberar executivos, na rescisão de contratos, de acordos com cláusulas de não concorrência e até jogadores de futebol ou outros atletas impedidos de trabalhar por multas consideradas abusivas ou ilegais previstas em contratos, segundo o advogado Daniel Chiode, do Chiode Minicucci Advogados. Agora, o recurso passou a ser adotado contra a apreensão de carteira de motorista e passaporte, por exemplo.

“A ideia de ir e vir, habitualmente lembrada como direito protegido em habeas corpus, se aplica também ao direito de trabalhar e de ir e vir do trabalho e garantir a liberdade de exercer uma atividade profissional e se manter”, diz o advogado.

Apesar de possível a utilização do habeas corpus na seara trabalhista, foram julgados apenas 222 pedidos em toda a Justiça do Trabalho, de 2015 até julho deste ano, segundo dados fornecidos pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), a pedido do Valor. Boa parte (191 deles) foi julgada em segunda instância.

Um recente julgamento, da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), responsável por consolidar a jurisprudência, deve dar mais força ao uso do habeas corpus para a liberação de passaportes, segundo advogados trabalhistas. Os ministros, em sessão virtual, em agosto, reconheceram a possibilidade e fundamentaram o entendimento com julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Os magistrados analisaram habeas corpus impetrado pelo sócio de uma empresa que teve passaporte retido pela Vara do Trabalho de Caçapava (SP). Ele responde por uma dívida de R$ 105 mil (em valores corrigidos) com um vigilante. Na execução, a Justiça do Trabalho não localizou bens para o pagamento do valor.O juiz determinou então a retenção da carteira nacional de habilitação (CNH) e do passaporte dos sócios da empresa com a afirmação de “quem deve, não pode possuir veículo nem fazer viagens internacionais”.

A decisão foi mantida pelo TRT de Campinas (15ª Região). No TST, o relator, ministro Evandro Valadão, votou pela manutenção do entendimento. Para ele, o habeas corpus não é a via adequada, pois não se trata efetivamente do direito à liberdade de locomoção. Contudo, ele ficou vencido.

Prevaleceu voto do ministro Vieira de Mello Filho. Para ele, essa questão foi pacificada pelo STJ, a quem cumpre uniformizar a jurisprudência processual civil. Foi mantido, porém, o indeferimento quanto à retenção da carteira de motorista (RO-8790-04.2018.5.15.0000).

Para o advogado trabalhista Maurício Corrêa da Veiga, do Corrêa da Veiga Advogados, que já assessorou jogadores de futebol em pedidos de habeas corpus, o julgamento da SDI-2 do TST deu um novo rumo ao tema. Desde 2018, o tribunal havia deixado de admitir o recurso para o direito de ir e vir secundários - que não estão com sua locomoção cerceada de forma direta.

“A partir do momento que é possível a impetração de habeas corpus para suspender uma ordem de apreensão de passaporte pelo princípio da liberdade e dignidade da pessoa humana, pode ser usado também quando se trata de dissolução de vínculo de emprego de atleta”, diz.

A segunda instância também tem seguido esse caminho. Em recente decisão do TRT de São Paulo (2ª Região), os desembargadores da Seção de Dissídios Individuais - (SDI-4) foram unânimes ao confirmar no mérito liminar concedida em habeas corpus em 2019 para liberar o passaporte de sócia em uma empresa de transporte. (HC 1003312-24.2019.5.02.0000).

Na execução, o juiz determinou a suspensão de seu passaporte e saída do país com a fundamentação de que a sócia tem patrimônio declarado no exterior no valor de R$ 189 mil e que a remessa de valores ao exterior seria uma blindagem patrimonial. Ainda haveria risco de a executada se ausentar do país definitivamente.

Ao analisar o caso, contudo, a desembargadora Sônia Aparecida Mascaro Nascimento entendeu que a sócia não estaria ocultando valores no exterior, pelo fato de os declarar no Imposto de Renda. “Ademais, inexiste qualquer restrição legal ao envio de montantes para contas ou aplicações no exterior, desde que devidamente declarados à Fazenda Pública, como ocorreu na hipótese".

Além disso, destacou que o valor apontado, pouco mais de US$ 30 mil, apesar de não representar nem 0,2% da dívida executada, pode ser perseguido pelo juiz por meio dos métodos de cooperação internacional. “Assim, não vislumbro qual a utilidade/necessidade da suspensão do passaporte e direito de entrar e sair do país, pois tais medidas não se traduzirão, tampouco acarretarão - nem mesmo de forma indireta -, em apreensão de bem apto a quitar a dívida”, diz.

Em Pernambuco, o Pleno do TRT também liberou passaporte da sócia de uma empresa, além da carteira nacional de habilitação. Em decisão monocrática, a desembargadora Virgina Malta Canavarro afirma estar seguindo a jurisprudência do STJ e também do TRT local (HC nº 0000810-21.2019.5.06.0000).

Há ainda decisão no TRT do Rio Grande do Sul. O desembargador Fernando Luiz de Moura Cassal, da 1ª Seção de Dissídios Individuais, foi contra a medida tomada contra o sócio de uma empresa em Sapiranga (RS). Para ele, a suspensão do passaporte interfere no direito de ir e vir (HC 0021023-05.2019.5.04.0000).

Segundo o advogado criminalista e professor de direito da FGV-SP, Davi Tangerino, em princípio não haveria impedimento para a Justiça do Trabalho julgar esses casos. Ele afirma que o habeas corpus é um instrumento constitucional para afastar ilegalidade, atual ou iminente, ao direito de ir e vir.

No Regimento Interno do STJ, acrescenta, há previsão para que as turmas não criminais (que compõem a 1ª Seção ao tratar de Direito Público) julguem, por exemplo, a expulsão de estrangeiros pelo ministro da Justiça. “Analogicamente, a aplicação na Justiça do Trabalho pode fazer sentido, já que não há uma vedação constitucional”, diz Tangerino.

 

FONTE: VALOR ECONÔMICO por Adriana Aguiar

 

 

 

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