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Limite a riscos e estímulo a investimentos
Em acórdão recente da ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que "sem a existência de indícios de esvaziamento intencional do patrimônio societário em detrimento da satisfação dos credores ou outros abusos, a simples dissolução irregular da sociedade empresarial não enseja a desconsideração da personalidade jurídica".
Trata-se de exemplar decisão jurídica, na qual o fazer justiça para os envolvidos é apenas um detalhe menor frente à sua enorme importância para o desenvolvimento econômico do país. Os ministros que participaram da decisão levaram em conta, corretamente, a decisiva relevância do resultado da causa sobre a saúde da economia - vital para continuarmos o processo civilizatório, erradicar a miséria, melhorar a renda média dos cidadãos, a qualidade de vida.
Sobre esse tema, a desconsideração de pessoas jurídicas dedicadas à atividade empresarial que fecham suas portas informalmente, e endividadas, temos há décadas uma acirrada polêmica no Judiciário: devem ou não seus proprietários responder pessoalmente perante os credores?
Para se beneficiar da decisão do STJ quando o negócio vai mal, o empresário deve fazer provas de que o geriu com idoneidade
Ainda em 1929, acompanhando tendência iniciada na Alemanha e que já dava resultados favoráveis em vários países, foi aprovada no Brasil uma lei que visava a limitar os riscos do empreendedor ao capital que ele investiria na empresa. As alterações admitidas no Código Civil em vigor ainda preveem essa limitação. Mas também é principio de justiça que quem faz uma dívida, deve pagá-la. Se a empresa não tem condições, que os sócios ou no mínimo os sócios gestores devem responder pessoalmente por ela.
Se esses argumentos se equilibram, deve-se considerar, no entanto, que a proliferação de empreendimentos é imprescindível ao desenvolvimento econômico, e que a visão dos limites do risco é importante para a atração de investidores. Com a percepção da existência desse limite, investidores geram por ano cerca de 180 mil empresas limitadas no Brasil, atraindo e envolvendo na atividade produtiva cerca de 400 mil brasileiros (2,3 por empresa, segundo dados do Sebrae).
Sempre que há indícios de confusão patrimonial, desvio de recursos, fraudes e outros ilícitos, os juízes decidem corretamente pela desconsideração da pessoa jurídica e responsabilização do empresário. Mas se dividem quando a empresa apenas fecha as portas, muda-se para lugar desconhecido ou não paga por não ter recursos. Até mesmo no STJ, os acórdãos são contraditórios.
A decisão a que nos referimos, tomada no Recurso Especial nº 1395288, fortalece a melhor tendência: apenas quando fica evidente a conduta dolosa do empresário, justifica-se a desconsideração da personalidade jurídica. Ou seja, se o empresário perde tudo na sua atividade produtiva, não desvia nada e não comete fraudes, ele não poderá ter seu patrimônio pessoal atingido.
Tal decisão não vale para a Justiça do Trabalho, para a qual a conduta do empresário pouco importa; e também na defesa do fornecedor quando acionado pelo consumidor, caso em que a desconsideração está prevista na lei. Mas é válida nas áreas cível e fiscal. Para o Fisco, esse entendimento é positivo, apesar da opinião contrária e imediatista dos procuradores municipais, estaduais e federais. Afinal, mais investimentos representam mais desenvolvimento, mais impostos.
Para se beneficiar dessa tendência jurisprudencial quando o negócio vai mal, o empresário deve procurar fazer provas de que o geriu com idoneidade, e de que ao, fechar as portas, o fez por motivo independente de sua vontade.
No fundamental, empresários e seus advogados devem usar e reforçar o acórdão referido e o seu entendimento. Limitar o risco do empreendedor é fundamental se quisermos um país desenvolvido, economicamente forte e independente, com renda média e qualidade de vida superior à atual, e politicamente soberano.
Lembremos ainda que muitas vezes a empresa fecha as portas por imperícia, negligência ou imprudência do empreendedor, mas muitas o fazem por azares do mercado, avanços tecnológicos ou decisões governamentais, tais como alterações cambiais, proibição ou oneração de importações, por exemplo.
Desse ponto de vista, é fundamental reforçar as leis que protegem o empresário e limitam o risco, fazendo com que mais e mais brasileiros poupem e invistam na atividade produtiva.
Percival Maricato é vice-presidente Jurídico da Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse)
FONTE: VALOR ECONÔMICO