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STF julga nesta semana qual deve ser o índice de correção de dívidas trabalhistas

Nesta quarta-feira (12/8), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve se debruçar sobre uma das questões que mais afligem membros da Justiça do Trabalho, trabalhadores e empresários desde que foi promulgada a reforma trabalhista de 2017: qual índice de correção deve ser utilizado para atualizar créditos trabalhistas decorrentes de condenações judiciais, a Taxa Referencial (TR) ou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E)?

A discussão vem de muito antes da reforma, mas se encontrava de certa forma pacificada desde 2015. Com a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), a disputa ganhou novos capítulos, sem resposta uniforme do Judiciário até agora – uma resposta que será dada pelo STF.

 O julgamento será realizado em meio à crise econômica causada pela Covid-19, e a atual situação tem sido citada como um argumento econômico-extrajurídico pelo setor empresarial pela manutenção da Taxa Referencial como índice de correção. Advogados de empresas defendem que eventual decisão pelo uso do IPCA oneraria em excesso as companhias, agravando ainda mais a crise econômica.

Por outro lado, advogados de trabalhadores, representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e de associações de magistrados argumentam que a TR não é capaz de atualizar o valor da moeda, já que seu crescimento é igual ou próximo a zero há anos. Por isso, usar este índice afrontaria o direito constitucional à propriedade. No Tribunal Superior do Trabalho (TST), a maioria dos ministros é contra a aplicação da TR.

O STF vai julgar as ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) 58 e 59, que tem como autoras a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e a Confederação Nacional de Informação e Comunicação Audiovisual, e as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 5.867 e 6.021, ajuizadas pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra). As duas primeiras ações pedem a declaração de constitucionalidade dos artigos 879, parágrafo 7º, e 899, parágrafo 1º, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), alterados pela reforma trabalhista, enquanto as ADIs pedem a inconstitucionalidade destes dispositivos.

O plenário do STF já se pronunciou pela inconstitucionalidade da Taxa Referencial como índice de correção para precatórios em algumas ocasiões, mas nunca se debruçou sobre o uso do índice na Justiça do Trabalho especificamente. Em julgamentos passados, entretanto, diversos ministros, até mesmo aqueles mais alinhados ao setor econômico, entenderam que a TR não é mais capaz de atualizar o valor da moeda, e seu uso pode gerar empobrecimento do credor.

Desta forma, a expectativa é que a maioria dos ministros se manifeste pela inconstitucionalidade dos dispositivos da reforma trabalhista que determinam o uso do índice da caderneta de poupança. O relator das ações, ministro Gilmar Mendes, deve votar pela constitucionalidade do uso da TR.

A Consif, autora da uma das ADCs e historicamente defensora do uso da TR, disse ao JOTA que “uma Análise Econômica do Direito e das decisões judiciais mostra-se oportuna” pelo Supremo, pois com a invalidação da TR, na visão da entidade, “as empresas se veriam obrigadas a arcar com essa grande monta quando a dificuldade primeira, nesse momento, consiste em conseguir se manter no mercado diante do atual ambiente de incerteza, gerado pela pandemia, que seria agravado ainda mais pela insegurança jurídica que se teria caso o Supremo defina índice outro que não aquele estabelecido pelo poder competente para tanto”. Para a entidade, é o Poder Legislativo quem deve definir o índice, e o fez ao optar pela TR na reforma trabalhista de 2017.

Outro argumento defendido pela Consif e por outras entidades empresariais é que sobre os processos da Justiça do Trabalho incidem juros de 1% ao mês, por isso, o valor dos juros deve ser considerado junto à correção monetária, o que demonstraria o impacto real dos processos para as empresas. “Do ponto de vista econômico, também não se mostra apropriado examinar de forma isolada a aplicação da TR na atualização dos débitos trabalhistas, descontextualizada dos demais encargos moratórios incidentes sobre esses débitos. Necessário apurar o custo total envolvido no período, bem como o equilíbrio econômico da relação jurídica de direito material. A aplicação de TR + 12% a.a. confere ganhos reais ao trabalhador, isso é, acima da inflação, ao passo que a aplicação de IPCA-E + 12% a.a. garante rentabilidade maior que qualquer outro investimento praticado pelo mercado”, diz a Consif.

A Anamatra, autora das duas ADIs que questionam o uso da TR, rechaça essa soma de valores. Noêmia Porto, presidente da associação, explica que juros e correção monetária são institutos distintos, com objetivos distintos, e por isso não podem ser confundidos.

“Juridicamente, em nenhum setor você confunde juros com correção monetária. Os créditos trabalhistas não rendem 1% ao mês, porque juros não são rendimento. O que os juros são uma forma de penalidade para aquele que paga em atraso, e a correção é o mínimo de recuperação da defasagem da moeda. Então quando junta dois institutos jurídicos diversos e com finalidades diferentes, a argumentação parte de premissa falsa”, destaca a presidente da Anamatra.

Porto ainda argumenta que a crise econômica não deve ser levada em consideração nesta discussão, pois os direitos dos trabalhadores independem de crises. “Você impõe um certo padrão de economia, um certo padrão de lucro ao custo de determinadas pessoas, e na espécie é ao custo de trabalhadores”, opina. “Todas essas questões não são de créditos futuros que as empresas vão ter que pagar, tudo isso é crédito passado, é aquilo que elas já sonegaram dos trabalhadores, já discutiram judicialmente, perderam, transitou em julgado, demorou o tempo que teve que demorar, e agora elas querem pagar menos. Isso não é prejuízo, quem está tendo o prejuízo é quem teve o direito sonegado.”

No STF, a Anamatra deve reforçar na sustentação oral que se trata de uma questão constitucional de direito de propriedade, e que juros e atualização monetária são institutos distintos, bem como defender a manutenção dos precedentes do Supremo no sentido de invalidade da TR como índice de correção.

A Consif fez projeções para exemplificar a diferença financeira do uso dos dois índices. Levando em consideração por exemplo, uma condenação hipotética de R$ 120.262,74 em março de 2015, cujo trânsito em julgado se deu em maio de 2020, aplicando-se a TR, a correção seria de cerca de 4,4%. Nesse mesmo período, utilizando-se o IPCA-E, a correção seria de 29,4%. Já caso sejam utilizados os dois índices – o IPCA-E até novembro de 2017, e a partir daí a TR – a correção pelo IPCA-E seria de 20,6%.

Histórico

O uso da TR como índice de correção de dívidas trabalhistas foi instituído pela primeira vez pela Lei 8.177/91, que dispõe sobre regras para desindexação da economia e criou a TR, estabelecendo que sua variação seria divulgada todos os meses pelo Banco Central, e que esse índice corrigiria valores da caderneta de poupança, o FGTS e a os créditos trabalhistas devidos após condenação judicial.

Com o passar dos anos, a TR passou a apresentar valores cada vez menores – em 2017, por exemplo, foi de 0,6% e, desde 2018, foi de 0%. Com isso, aos poucos, outros índices de correção, como o IPCA, INPC e o IGP-M passaram a ser mais utilizados para a atualização de valores em diversos contratos e outras áreas do Direito Civil. Entretanto, permanecia o uso da TR na Justiça do Trabalho.

Em 2009, foi promulgada a Emenda Constitucional 62/2009, que instituiu novas regras para precatórios federais, estaduais e municipais, e determinou que as correções para pagamentos de precatórios pela Fazenda Pública deveriam ser feitas pela Taxa Referencial.

Foram ajuizadas, então, Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4.357 e 4.425 no STF contra essa correção, e as ações foram julgadas em março de 2015 pelo plenário. Com o julgamento, ficou decidido que, a partir dali, a correção monetária de precatórios seria feita pelo IPCA-E para esses entes públicos. Isto porque a TR não preservaria o valor real da moeda e por isso não protegeria o direito adquirido.

Meses depois, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu, por maioria, que tal preceito do STF deveria se aplicar também a processos trabalhistas. Assim, declarou a inconstitucionalidade, por arrastamento, do artigo 39 da Lei 8.177/91, que previa o uso da TR. O relator do caso, Cláudio Brandão, disse que a medida visava corrigir o “estranho desequilíbrio entre os titulares de créditos trabalhistas” criado após a decisão do STF. Afinal, trabalhadores vinculados a órgãos públicos deveriam receber os valores atualizados pelo IPCA-E em caso de sentença em ação trabalhista, enquanto os de empresas privadas, recebiam créditos corrigidos pela TR.

Como consequência, a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) ajuizou a Reclamação (RCL) 22.012 contra o TST, dizendo que o tribunal estava desrespeitando a decisão do STF ao entender sobre a inconstitucionalidade por arrastamento. O ministro Dias Toffoli suspendeu, via liminar, a decisão do TST, alegando que houve excesso do tribunal ao decidir sobre o assunto.

A decisão ficou suspensa de outubro de 2015 até dezembro de 2017, quando a 2ª turma do STF julgou a ação da Fenaban improcedente. O acórdão do TST, então, voltou a produzir efeitos. Mas, naquele momento, a reforma trabalhista já estava em vigor – e nela consta que a TR deve ser o índice a ser utilizado para correção de créditos trabalhistas. Assim, estava instaurado o cenário de insegurança jurídica.

Após a decisão da 2ª Turma do STF, a 4ª Turma do TST definiu um marco temporal para aplicação dos índices de correção. Até a data 25/03/2015, quando houve o julgamento do STF, deve ser aplicada a TR. Entre 26/03/2015 e 11/11/2017, o índice de correção deve ser o IPCA-E. E depois do marco da reforma trabalhista, é a TR, novamente, que deve ser aplicada. Portanto, um processo anterior a março de 2015 terá 3 períodos diferentes de aplicação dos índices. Mas como se tratou de uma decisão de turma, não houve efeito vinculante, e decisões diferentes foram proferidas no próprio TST e em inúmeros tribunais regionais trabalhistas.

Sem solução do Supremo, o próprio Tribunal Superior do Trabalho agiu para uniformizar a jurisprudência sobre o tema: em 15 de junho, o Pleno do tribunal começou a julgar uma arguição de inconstitucionalidade sobre os dispositivos da reforma trabalhista que preveem o uso da TR. Foi formada maioria de 17 ministros para declarar a TR inconstitucional, e para substituí-la pelo IPCA-E.

O julgamento seria concluído no dia 29 de junho, mas um dia antes o ministro Gilmar Mendes suspendeu todos os processos que incluem a discussão sobre o índice de correção monetária. A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu e pediu a suspensão desta liminar, argumentando uma possível paralisia na Justiça do Trabalho. Dias depois, Mendes explicou que sua decisão não impede execuções na Justiça do Trabalho, apenas paralisa os processos nos quais há a discussão sobre o índice de correção monetária.

A decisão de Gilmar Mendes pegou a todos de surpresa, e mesmo com a explicação gera dúvidas sobre seu alcance e potencial de suspender ações trabalhistas. Por isso, a Anamatra atuou para que o presidente Dias Toffoli, do STF, pautasse o mais breve possível as ações que discutem o uso da TR no plenário. O pedido foi atendido, e as ações foram incluídas na pauta nesta semana. Vale lembrar, porém, que o julgamento pode ser interrompido por pedidos de vista a qualquer momento.

FONTE: JOTA por Hyndara Freitas

 

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