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STJ reconhece desconto em dívida trabalhista em plano de recuperação
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspendeu decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que impedia empresas em recuperação judicial de pagarem com desconto dívidas trabalhistas sujeitas ao processo. A lei, segundo o ministro, não impede que isso ocorra. A única exigência é que os empregados sejam pagos em até um ano.
A decisão, em caráter liminar, atende pedido das empresas que formam o grupo Lance, responsável pela publicação do jornal esportivo “Lance!” — em recuperação judicial desde 2017.
O plano de pagamento aprovado em assembleia-geral de credores previu desconto de 60% para a classe trabalhista. Se tivesse que arcar com o valor integral da dívida, como determinou o TJ-RJ, as empresas teriam que desembolsar R$ 6 milhões a mais do que foi acordado.
“Poderia agravar a situação da empresa”, diz Luciana Abreu, do escritório Gameiro Advogados, que atua no caso. Ela cita a programação de caixa, feita com base no plano aprovado pelos credores, e também a situação de pandemia. “Foram duramente afetados. Suspenderam a publicação de jornais e ficaram desestabilizados porque cobrem eventos esportivos eesses eventos foram suspensos",afirma.
A 27 Câmara Cível do tribunal do Rio de Janeiro anulou a cláusula do plano de pagamento que previa o desconto à classe trabalhista, impondo, desta forma, que os valores fossem pagos integralmente. A decisão foi unânime. Para os desembargadores só poderia haver redução dos valores “mediante acordo ou convenção coletiva, o que pressupõe a participação do sindicato" da categoria.
Além disso, afirmaram, essa discussão teria que ocorrer na Justiça do Trabalho. “Escapa à competência do juízo recuperacional”, disse a desembargadora Maria Luiza de Freitas Carvalho, relatora do caso no TJ-RJ.
Esse recurso foi apresentado ao tribunal por um ex-funcionário da empresa que não participou da assembleia em que os credores votaram o plano de pagamento. A classe trabalhista, naquela ocasião, aprovou por unanimidade as condições propostas.
O ministro Villas Bôas Cueva, ao suspender os efeitos da decisão do tribunal do Rio de Janeiro, citou o artigo 54 da Lei de Recuperação Judicial e de Falências (Lei n 11.101/2005). Esse é o dispositivo que trata dos requisitos para o pagamento dos créditos trabalhistas.
“Não existe, a princípio, óbice para o pagamento do crédito trabalhista com deságio, tampouco se exige a presença do Sindicato dos Trabalhadores para validade da votação implementada pela assembleia-geral de credores”, afirma o magistrado na liminar.
Villas Bôas Cueva disse ainda que a exigência prevista no artigo 54, para a quitação em prazo máximo de um ano, foi cumprida pelas empresas (pedido de tutela provisória n 2778).
Segundo a advogada que representa o grupo Lance, o prazo para o pagamento das dívidas trabalhistas já se encerrou e todos foram pagos na forma do plano. Neste momento, ela diz, as empresas estão cumprindo as suas obrigações com outra classe de credores.
Luciana Abreu entende que decisões de conteúdo econômico — como os deságios — devem ser resolvidas entre credor e devedor e não caberia ao Judiciário fazer “juízo de mérito” disso. “O que o Judiciário pode fazer é uma análise de legalidade. E não tem nada no plano que seja ilegal, que vá contra a lei”, ressalta.
Para a advogada, decisões como a proferida pelo TJ-RJ podem inviabilizar a recuperação das empresas em que a classe trabalhista é a mais importante. No caso do grupo Lance, afirma, os trabalhadores são maioria. Representam 54,5% de todos os credores sujeitos ao processo.
Especialista na área, o advogado Thomaz Santana, do escritório PGLaw, entende que a decisão do ministro do STJ “está em sintonia” com a lei. Ele diz que as discussões sobre os créditos trabalhistas ocorrem geralmente com empregados que moveram ação contra a empresa na Justiça do Trabalho.
Nesta situação, pondera, o credor trabalhista acaba se distanciando do processo de recuperação — mesmo que desde o início tenha sido intimado por meio de edital ou do administrador judicial. Pode ser que ele não participe da assembleia de credores que votou o plano de pagamento da empresa e, lá na frente, se surpreenda com o fato de ter que receber com desconto os valores definidos na Justiça do Trabalho, afirma o advogado.
“Na Justiça do Trabalho ele vai ter a apuração do crédito e, depois de definido, precisará habilitá-lo no processo de recuperação judicial e receberá nas condições que foram decididas pela maioria da sua classe em assembleia”, afirma Santana. “Ele pode não concordar com o que foi definido, mas não há nenhuma ilegalidade nisso.”
FONTE: VALOR ECONÔMICO por Joice Bacelo