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TST suspende milhares de ações em fase de cobrança
A Justiça do Trabalho suspendeu todos os processos que discutem, na fase de execução (cobrança), a inclusão de sócio ou empresa que supostamente pertenceria ao mesmo grupo econômico do empregador condenado.A decisão é da vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministra Dora Maria da Costa, e vale até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) defina a questão.
Em geral, são ações nas quais a empresa principal foi condenada e não foram encontrados dinheiro ou bens para satisfazer a dívida. Atualmente, 49% dos processos julgados pela Justiça do Trabalho não são finalizados por falta de pagamento. A taxa de congestionamento consta do relatório Justiça em Números 2021, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A suspensão atinge cerca de 60 mil ações em todo o país, que estão em fase de cobrança e trazem o termo “grupo econômico”, segundo levantamento realizado pela plataforma de jurimetria Data Lawyer. Os processos somam R$ 8 bilhões. Hoje, tramitam um total de 900 mil ações em fase de execução, que envolvem R$ 78 bilhões.
Desde 2003, com o cancelamento da Súmula nº 205 do TST, os juízes trabalhistas costumam aceitar a inclusão de empresas que participariam do mesmo grupo econômico na fase de execução. A discussão, porém, voltou à tona com decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, proferida em setembro. Ele cassou acórdão do TST que pretendia responsabilizar uma empresa, incluída na fase de execução, pelo pagamento das verbas trabalhistas.
Mendes entendeu que uma empresa só deve responder por uma dívida se estiver listada como parte desde o início do processo - como estabelecia a súmula. O posicionamento do ministro tem como base o parágrafo 5º do artigo 513 do Código de Processo Civil (CPC).
Para advogados de empresas, a prática violaria o direito de defesa de partes que não participaram da discussão desde o início do processo. Já advogados de trabalhadores alegam que a previsão do CPC dificulta a execução, porque nem sempre é possível no início da ação indicar todas as empresas que poderiam ser responsabilizadas.
Com a discussão no STF, a ministra Dora Maria da Costa decidiu suspender todos os processos da Justiça do Trabalho, ao analisar um caso que envolve a concessionária Rodovias das Colinas. Na ação, a concessionária alega que não seria possível o reconhecimento do grupo econômico pela mera existência de sócio comum e relação de coordenação.
A ministra afirma, na decisão, que a conclusão sobre a possibilidade de inclusão de empresa integrante do grupo econômico no polo passivo, em fase de execução, está de acordo com a jurisprudência do TST. Mas cita alguns exemplos divergentes para apontar o “caráter extremamente controvertido da matéria” e sua relevância, o que justificaria o enfrentamento da questão constitucional, diante dos inúmeros casos que envolvem a mesma discussão.
Em dezembro, o assunto começou a ser julgado no Plenário Virtual do STF, mas foi suspenso por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Dois ministros votaram, indicando que haveria questão processual que impediria a análise.
Para a relatora, ministra Rosa Weber, não existe controvérsia sobre o assunto, apenas jurisprudência consolidada no TST contrária ao pedido da parte. Ainda segundo ela, a ação proposta - arguição de descumprimento de preceito fundamental - não seria adequada para a revisão de entendimentos jurisprudenciais de tribunais superiores. O voto foi seguido por Alexandre de Moraes (ADPF 488).
O tema ainda pode voltar a ser discutido no Supremo, mas em outro processo (ADPF 951), que ainda não foi iniciado. Nas turmas do STF, existem decisões divergentes sobre o assunto.
De acordo com o professor de direito trabalhista Ricardo Calcini, a decisão traz uma reviravolta na jurisprudência até então sedimentada na Justiça do Trabalho, após o cancelamento da Súmula 205 do TST. “É necessário que o Supremo dê um ponto final”, afirma.
A decisão de suspender essas ações prejudica milhares de reclamantes, na opinião de Camilo Onoda Caldas, advogado trabalhista e sócio do escritório Gomes, Almeida e Caldas Advocacia. Já Alberto Nemer, do escritório Da Luz, Rizk & Nemer, considera acertada a determinação do TST.“Nessa fase, a empresa incluída não consegue mais discutir o mérito nem, com profundidade, se ela realmente faz parte daquele grupo. Só consegue discutir correção de valores e forma de pagamento”, diz.
Para Nemer, a Justiça do Trabalho teria que respeitar o texto frio da legislação para caracterizar grupo econômico. A reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017) trata do assunto. No parágrafo 3º do artigo 2º, por exemplo, afirma que não caracteriza grupo econômico“a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”.
A advogada Juliana Bracks, contudo, pondera que, apesar de ser difícil para as empresas se defenderem na fase de execução, para os trabalhadores “ficará praticamente impossível executar” caso prevaleça o entendimento de Gilmar Mendes.“Incluir todas as empresas que possivelmente fariam parte de um grupo econômico desde o início do processo é muito difícil. Até porque existem empresas que criam outras depois para fugir das execuções”, diz.
A advogada lembra que havia muita dificuldade para citar todas as empresas do grupo econômico desde o início, enquanto vigorava a súmula do TST. “Cada empresa com um advogado, cada um levando três testemunhas, cada um com preposto. Atuei em processo que tinha que esvaziar a sala de audiência porque não cabia todo mundo dentro.”
O TST, acrescenta, cancelou a súmula por entender que não fazia sentido. Porém, a questão foi reaberta pelo ministro Gilmar Mendes. “Mas o processo do trabalho tem suas peculiaridades”, afirma. “Agora, o STF tem que pacificar essa questão.”
FONTE: VALOR ECONÔMICO por Adriana Aguiar